D.
Orani João Tempesta
Cardeal
Arcebispo do Rio de Janeiro
A Sala de Imprensa da Santa Sé, no dia 08 de
setembro, apresentou dois novos documentos pontifícios (Motu Proprio) que dizem
respeito claramente aos processos de nulidade matrimonial.
As alterações constam nos dois documentos
“Mitis Iudex Dominus Iesus” (Senhor Jesus, manso juiz) e “Mitis et misericors
Iesus” (Jesus, manso e misericordioso), ele contém as indicações para a reforma
do processo de declaração de nulidade matrimonial e alteram o Código de Direito
Canônico promulgado em 1983 por São João Paulo II e o Código de Cânones das
Igrejas Orientais promulgado pelo mesmo santo em 22 de fevereiro de 1991.
De uma leitura do documento eu me deterei no
que se refere ao Código de Direito Canônico (ou seja para a Igreja Latina):
depreende-se de que o Santo Padre Francisco quer valorizar o papel do Bispo
Diocesano como o supremo juiz em sua Igreja Particular, conforme doutrina do
Concílio Vaticano II. Em se tratando de causas matrimoniais, em que a demanda é
sempre muito grande, a grande novidade agora é que o casamento, quando se chega
a certeza moral de que este é nulo, poderá ser declarado apenas por uma só sentença
favorável para a nulidade executiva. Até o presente momento eram necessárias
duas sentenças conformes, ou seja, iguais de nulidade, de primeiro e de segundo
grau, ou de primeiro e de terceiro grau ou de segundo e de terceiro grau. Agora
não será mais necessária a decisão de dois tribunais. Com a certeza moral do
primeiro juiz (colegial ou monocrático), o matrimônio será declarado nulo.
A grande inovação que o Santo Padre nos
presenteou é na inovação de juízo único. O que significa isso? Significa que um
Juiz, no caso o próprio Bispo Diocesano, ou outro delegado por este, que é a
única autoridade judiciária dentro de sua Diocese, poderá chegar a certeza
moral da nulidade matrimonial. O bispo diocesano, via de regra, delega o seu
poder judiciário para o vigário judicial. Este é aquele que faz as suas vezes,
e em matéria judicial, o vigário do bispo é o seu vigário judicial. No
exercício pastoral da própria “autoridade judicial”, o Bispo deverá assegurar
que não haja atenuações ou abrandamentos. Isso é para que o processo esteja sob
a responsabilidade do Bispo facilitando a celeridade do andamento processual,
em que o processo seja mais ágil, porque justiça retardada é justiça negada na
Igreja e em todos os âmbitos judiciários.
O Motu Proprio diz que o processo
poderá ser mais curto quando: “a proposta deve ser feita por ambos os cônjuges
ou por um deles, com o consentimento do outro; ocorram circunstâncias de
pessoas e pessoas, apoiadas por testemunhos ou documentos, que não necessitam
de uma investigação ou instrução processual mais aprofundada, e torne manifesta
a nulidade”. Trata-se de um processo rápido, célere, diferente do processo
ordinário que continuará da mesma forma. Estão inclusos neste processo mais
rápido, de acordo com o cân. 1683-1687 “Por exemplo: a falta de fé que pode
gerar a simulação do consentimento ou o erro que determina a vontade, a
brevidade da convivência conjugal, o aborto procurado para impedir a
procriação, a obstinada permanência em uma relação extraconjugal no tempo das
núpcias ou em um tempo imediatamente sucessivo, a ocultação dolosa da
esterilidade ou de uma grave doença contagiosa ou de filhos nascidos de uma
relação precedente ou de uma detenção, a causa do matrimônio totalmente
estranha a vida conjugal ou consistente na gravidez imprevista da mulher, a
violência física realizada para extorquir o consentimento, a falta de uso de
razão comprovada por documentos médicos, etc”.
O próprio Motu Proprio expressa que
o Bispo Diocesano pode delegar a ação judicial para o seu Vigário Judicial ou
para os juízes do seu Tribunal.
Observamos
que o Santo Padre realçou aquela letra conciliar em que diz que o próprio Bispo
será o juiz em sua Igreja. Neste sentido cabe ao Bispo Diocesano dar o exemplo
de “sinal de conversão nas estruturas eclesiásticas e não delegar à Cúria a
função judicial no campo matrimonial”. As causas mais breves devem ser marcadas
pelo desejo do Papa Francisco: que sejam céleres e rápidas, particularmente
aquelas causas em que são evidentes os motivos de nulidade.
Uma inovação é o Tribunal de apelo ser o
Tribunal da Sede Metropolitana, expediente este que facilitará a distribuição
da Justiça e a sua celeridade processual. Como realçou o Papa Francisco este
Tribunal Metropolitano é a eloquente manifestação de comunhão sinodal que deve
haver entre os bispos sufragâneos e o seu metropolita.
Fiquei profundamente tocado com a dimensão da
gratuidade dos processos quando, ressalvada a manutenção dos oficiais e
serviços do tribunal eclesiástico, “seja assegurada a gratuidade dos procedimentos,
para que a Igreja, mostrando-se aos fiéis mãe generosa, em matéria tão
estritamente ligada à salvação das almas manifeste o amor gratuito de Cristo
pelo qual todos fomos salvos”. Não podemos ficar reféns de processos morosos e
dispendiosos. Porém isso não significa que todos os processos sejam gratuitos.
Há custos que devem ser suportados por aqueles que podem pagá-los. E, mais
óbvio ainda, que os Bispos devem buscar um modo justo de dar as côngruas aos
oficiais dos Tribunais.
De tudo o que lemos e constatamos fica claro
que será mantido os Tribunais de segunda instância. Haverá recurso quando for
pedido pelo Defensor do Vínculo ou por uma das partes que se sentir
prejudicada. Fica claro que o direito de apelo à Sé Apostólica é inalterável.
Fica mantido o apelo à Rota Romana, no respeito do antigo princípio jurídico de
vínculo entre a Sé de Pedro e as Igrejas particulares. Quando participei do
Sínodo extraordinário para a família de outubro de 2014, o que mais se ouviu
foram acalorados pedidos de “processos mais rápidos e acessíveis”. Nesse
sentido o Sumo Pontífice redigiu o motu proprio com disposições que
não favorecerão a “nulidade dos matrimônios”, mas sim a “celeridade dos
processos”, para que, “por motivo da retardada definição de juízo, o coração
dos fiéis que esperam a clareza do próprio estado não seja longamente oprimida
pelas trevas da dúvida”. O motu proprio, então, como destaca o próprio
Papa, coloca-se na linha dos seus Antecessores, estabelecendo que “as causas de
nulidade do matrimônio fossem tratadas por via judiciária, e não
administrativa, não porque o imponha a natureza da coisa, mas justamente o
exija a necessidade de tutelar em maior grau a verdade do sagrado vínculo –
sublinha o Papa – é exatamente assegurado pelas garantias da ordem judiciária”.
A Igreja não faz, não faz e não fará
divórcios, tampouco anula matrimônios. A Igreja analisa, como mãe e mestra, se
os casamentos celebrados de seus filhos são nulos ou não. É esta abertura,
salutar, que queremos pedir o empenho de nosso Vigário Judicial e de seus
colaboradores para que a distribuição da Justiça em nossa Arquidiocese, a
começar pelo meu empenho pessoal, seja redobrada e célere em favor da salvação
das almas.
Fonte:
http://arqrio.org/formacao/detalhes/896/celeridade-nos-processos-matrimoniais
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