O seminário “Base Nacional Curricular Comum e
protagonismo da família na educação” foi realizado no auditório do Edifício
João Paulo II, na Glória, no dia 26 de julho. O evento contou com a presença do
Cardeal Orani João Tempesta, do bispo auxiliar da arquidiocese e animador da
Pastoral da Educação e do Ensino Religioso, Dom Paulo Alves Romão, e do bispo
auxiliar emérito Dom Karl Joseph Romer, Membro do Pontifício Conselho para a
Família e Diretor do Instituto Superior de Ciências Religiosas.
Além deles, o Encontro também contou com a presença
do presidente da Rede Nacional de Direito e Defesa da Família, diretor do
Instituto Sophia Perennis e presidente do Observatório Interamericano de
Biopolítica, professor Felipe Nery, da docente em História da Universidade
Estadual de Londrina (UEL), professora Fernanda Takitani, e da docente em
Letras, professora da Rede Pública do Estado de São Paulo e secretária do
Observatório Interamericano de Biopolítica, professora Andreia Medrado.
O cardeal iniciou as atividades do Encontro,
afirmando que “neste momento tão importante da nossa pátria e da educação,
tenhamos as luzes necessárias para realizar a nossa missão de cristãos. Devemos
nos movimentar, enquanto famílias cristãs, e assumir o nosso protagonismo, a
nossa responsabilidade pela educação em nosso país", destacou,
prosseguindo com a Oração de Invocação do Espírito Santo.
Família: primazia e
protagonismo na educação dos filhos
Ainda na saudação, Dom Orani recordou que, há
quatro anos, na mesma data, o Papa Francisco visitou o Rio de Janeiro, por ocasião
da Jornada Mundial da Juventude. Tendo em vista que o dia 26 de agosto é
dedicado aos santos São Joaquim e Sant’Ana – co-padroeira da arquidiocese, o
arcebispo recordou o discurso do Pontífice, no qual ressaltava a experiência
dos avós na transmissão da experiência às gerações.
O cardeal ressaltou como nos dias atuais as
ideologias vêm sendo impostas em detrimento do direito da família e dos
educadores. “Pouco a pouco nós vemos a influência que tem chegado ao nosso
país, por meio de uma educação conduzida por ideologias, fazendo com que certos
valores sejam comunicados, difundidos para a sociedade, como se fossem uma
verdade e fazendo disso uma cultura comum, na maneira de pensar e de ser. E
vemos também que, quando as coisas são colocadas às claras, as pessoas já não
mais concordam com esses posicionamentos”, pontuou.
Ele ainda destacou a importância do evento:
“Este seminário é, portanto, uma oportunidade de continuarmos esse debate, de
refletirmos a respeito, para que as pessoas se interessem cada vez mais por
essa temática", disse.
Para o arcebispo, a Igreja e as famílias
cristãs devem, cada vez mais, estar envolvidas nessa discussão, sendo
protagonistas de tudo aquilo que for para o bem dos filhos, para o bem da
sociedade brasileira: "Que saibam recolocar a família nas escolas; que o
nosso protagonismo seja cada vez mais sentido, e a opinião das famílias cristãs
se faça ouvir na orientação educacional dos seus filhos e netos",
completou.
Ideologia de gênero e
centralização do ensino: o que está na base da Base?
O ciclo de palestras teve início com o
professor Felipe Nery, o qual discorreu sobre o tema: "O problema da
centralização da educação nacional através da BNCC". Ele apresentou os
trechos mais expressivos da BNCC, destacando que a atual versão passa por
audiências públicas somente em cinco estados: Amazonas, Pernambuco, Santa
Catarina, Brasília e São Paulo.
O professor ainda acrescentou que nos estados
onde as audiências estariam sendo realizadas, não é feita uma divulgação
adequada, tampouco é viabilizada a direta participação pública, pois o texto é
enviado às instituições, a fim de que os interessados formulem por escrito suas
considerações e contribuições para uma análise prévia. Em seguida, é concedida
a participação ou não na audiência, o que, para Nery, restringe o debate sobre
um tema tão relevante, tendo em vista que a BNCC está a poucos meses de sua
homologação, prevista para novembro deste ano.
Nery destacou ainda que a BNCC satisfaz a
grupos estrangeiros americanos diretamente envolvidos na sua formulação junto
ao MEC, com vistas a impor uma centralização da educação brasileira.
"Historicamente, no Brasil, já se tentou fazer isso e houve uma grande
moção popular contra, pois a história da educação brasileira nasce da liberdade
de estados e municípios de estruturarem a educação, levando em conta as
diversidades culturais e sociais de um país de dimensões continentais como o
Brasil e em conjunto com toda a sociedade, sobretudo os educadores e as
famílias. Pretende-se, agora, impor um currículo comum obrigatório para todo
país, formulado e, posteriormente, monitorado, não pelo governo brasileiro, mas
por grupos empresariais presentes no Brasil, que pretendem ditar uma educação
nivelada pelo mercado e rebaixar o nível humano dentro da própria base
curricular", explicou.
Outra problemática apresentada pelo professor
refere-se à reinserção da terminologia ‘gênero’ como equivalente da diferença
sexual e que já havia sido rejeitada em cerca de 90% dos Planos Municipais da
Educação, até mesmo no Plano Nacional.
De acordo com ele, argumenta-se, por exemplo,
que o termo ‘gênero’, na Base, diria respeito apenas aos chamados gêneros
literários. Contudo, Nery apresentou trechos que mostram o termo empregado como
significando diferença sexual, isso em todas as áreas do conhecimento.
Além disso, diretrizes do Plano Nacional de
Direitos Humanos, o chamado PNDH3, as quais já foram rejeitadas, uma vez que,
segundo o especialista, introduziam questões não relacionadas à educação, como
o aborto, foram encontradas na BNCC. Para Felipe Nery, a ideologia de gênero
surge como um programa político em que, efetivamente, não há preocupação com a
"realidade opressora" das mulheres ou das minorias. "A Base,
nessa última versão, modifica a linguagem, se apresenta de forma polida, como
se fosse para tratar das desigualdades, para tratar das diferenças, porém a
temática de gênero é reintroduzida, e isso está em vias de ser homologado,
quando já havia sido reiteradamente rejeitado, em âmbito nacional e dos
municípios", advertiu.
O declínio da educação
brasileira, da elevação do ser humano à sua mecanização
Sob o título "A educação nacional: seus
problemas históricos e atuais", a professora Fernanda Takitani
presidiu a segunda palestra, a qual contextualizou a educação no Brasil. Ela
ainda ressaltou que o fato de a base curricular desconsiderar a comunidade de
pais, professores e Igreja justifica a mobilização em torno do tema, “pois não
se pode permitir que nos seja retirada a possibilidade de intervir de maneira
direta e eficaz no currículo dos nossos filhos", destacou.
Takitani recordou que a educação no Brasil
teve início com os jesuítas e tinha por fim elevar o ser humano, aumentar as
virtudes, por meio de uma formação integral, clássica, delegada à Igreja pelas
famílias. Segundo a professora, em 1759, com a expulsão dos jesuítas, deu-se um
completo desmantelamento da educação no Brasil.
Esse cenário só melhorou com a chegada da
Família Real, em 1808, havendo a abertura das faculdades de medicina, Química,
Agricultura e Engenharia, naquele momento, com interesses estratégicos. Os
cursos em Humanidades (Direito, Teologia e Filosofia) surgiram tempos depois.
Nesse contexto, surge também a prensa gráfica e, com isso, a possibilidade de
se publicar livros, o que muito contribuiu com a educação brasileira.
Após o retorno de Dom João e com o advento da
Independência "não se teve um contexto favorável para se pensar na
educação e sistematizar o ensino no Brasil", assinalou Takitani. Isso só
começaria a ser estruturado no âmbito da República, com a criação do Ministério
da Educação, a cargo de Benjamin Constant.
No entanto, tal ministério não teria sido
criado por uma preocupação com a educação, mas como uma manobra política para
neutralizar a ida de Benjamin para o Ministério da Guerra. Takitani apontou
que, a partir daí, à luz das correntes filosóficas da época, também no Brasil,
"o Estado passou a ordenar a sociedade, e que tal ordenamento deveria ser
dado através da educação, não mais voltada para elevar o ser humano, mas para
atender aos interesses totalitários do Estado. O homem formado, portanto, para
o mercado de trabalho", pontuou.
Desde então, segundo a professora, a educação
no Brasil visa "distribuir adequadamente os indivíduos pelas diferentes
ocupações na sociedade moderna". Portanto, "esse sistema educacional
não compreende o transcendente, por isso a exclusão de Deus e da fé. Nesse
sistema educacional, o homem somente nasceu para trabalhar. Não tem desejo do
bom, do belo e do verdadeiro; a vocação não é importante; não há espaço para a
liberdade e as questões existenciais; nessa lógica educacional, o ser humano é
visto como alguém que nasceu para apertar parafuso ou realizar qualquer outra
função, nada mais que isso", pontuou.
Ao final, Fernanda Takitani esclareceu que a
atual BNCC seria o ápice de todo o desmonte do já desfigurado sistema
educacional brasileiro, por isso a importância da sociedade na discussão dessas
questões: "Este é um evento importante, um momento em que a gente reflete
um pouquinho sobre a finalidade da educação como um todo e da educação católica
em particular. A partir dessas impressões, podemos encontrar um sentido e
caminhar rumo a ele, propondo movimentos, ações para o que é direito dos pais,
da família, e que sejam garantidos também na esfera educacional",
concluiu.
A quem pertence a educação?
A partir da temática "Qual será o futuro
da Educação nacional?", a professora Andreia Medrado foi a terceira
palestrante, e demonstrou o uso da educação para fins político-ideológicos.
Dessa forma, percebe-se que, nos dias atuais, a educação nas escolas
brasileiras está cada vez mais voltada para a formação de militâncias.
Medrado traçou um percurso histórico, desde o
período clássico até os dias de hoje, e explicou o viés ideológico por trás da
BNCC. A especialista afirmou que o ser humano deve ser formado integralmente,
sendo inserido na cultura para adquirir sabedoria. “A educação deve inserir o
aluno nesse patrimônio de anos, décadas, séculos, milênios e de gerações
produzido pela humanidade, o qual ele deve apreciar e se beneficiar, uma vez
nele inserido", esclareceu. Andreia ainda observou que a BNCC é cunhada a
partir de um modelo falido em outros países, mas que se está impondo no Brasil.
Segundo ela, "o professor está sendo
engessado, não há mais a autonomia das escolas, essa é a realidade. Temos o
ENEM como exemplo, a partir do qual conteúdos são pré-montados, e o professor é
obrigado a trabalhar a partir disso, com vistas a corresponder às questões
propostas no exame e não à efetiva formação do aluno. Esse é o modelo adotado
na sociedade americana, e contra o qual os pais já estão se mobilizando, estão
reclamando, e as escolas e os professores, que antes aceitaram, agora começam a
rejeitar; perceberam que centralizar a educação é engessá-la", frisou.
Andreia também apontou, a partir da encíclica
“Divini illius magistri”, do Papa Pio XI, sobre a educação da juventude
católica, que o processo educacional diz respeito primeiramente à família,
instituída por Deus; à sociedade civil, que dispõe de todos os meios para o
próprio fim, que é o bem comum; e à Igreja, uma vez que é a terceira sociedade
em que nasce o homem, a partir do Batismo, para a vida divina. Para ela, a
existência da Base Nacional Comum Curricular é também, "por si mesma, um
disparate à Constituição Federal, pois ela já era a Base", exclamou.
Riqueza da tradição católica
Após as comunicações, Dom Paulo Alves Romão
disse que o conteúdo das palestras foram claras, objetivas e trouxeram
novidades.
“Quando falaram da educação clássica, eu
pensei, por exemplo, em São Tomás de Aquino, para quem a verdade é a adequação
do intelecto à realidade, ou seja, que o conhecimento acontece a partir da
análise ou reflexão da realidade; assim ela é, objetivamente”, disse.
Dom Paulo também encorajou os educadores,
como agentes de transformação, a se empenharem numa educação de qualidade,
alicerçada nos valores humanos e cristãos:
“Toda
a riqueza da educação que recebemos da nossa Igreja nos permite ter bem claros
os pontos fundamentais que nos sustentam, de modo que possamos enfrentar sem
medo os problemas que surgirão na educação em nossos colégios, públicos e
privados, em nosso país. Na verdade, tais desafios nos provocarão a recuperar
toda a riqueza de nossa tradição católica, não só em nível de educação, mas
também em relação aos valores familiares presentes na tradição cristã”,
concluiu.
Depoimentos
Para a coordenadora arquidiocesana da
Pastoral da Educação, Vandeia Ramos, o seminário “faz retornar para nós,
educadores e pais, as nossas responsabilidades, para que possamos reverter
essas situações que não nos são favoráveis, não só enquanto Igreja, mas também
ao próprio ser humano, pois vão contra quem nós somos, enquanto pessoas.
Precisamos refazer o caminho", disse.
A educadora e membro do Movimento Comunhão e
Libertação Rita Aparecida da Rocha contou que o evento "foi muito
interessante, nos colocando para dentro da realidade atual da educação. Vimos
que precisamos estar atentos, não podemos estar fora desse debate nem deixar
esse documento ser aprovado. Precisamos nos unir e tomar uma posição enquanto
educadores católicos", pontuou.
Já o vigário episcopal do Vicariato Suburbano
e pároco da Paróquia São Brás, padre Nivaldo Alves, alertou que "é preciso
nos preocupar, de verdade, com a formação da pessoa. O ser humano não é coisa,
é uma pessoa. Devemos rejeitar a cultura do descarte e buscar uma educação que
valorize e construa o indivíduo, livre de ideologias que querem desconstruir
nosso patrimônio cultural, que trouxemos de riqueza até hoje. O trabalho e a
dedicação desses palestrantes é também a razão de nosso interesse em
participar", finalizou.
Fonte:
http://arqrio.org/noticias/detalhes/5999/o-protagonismo-da-familia-na-educacao
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