quarta-feira, 2 de março de 2016

‘Acolher o ser humano é sempre um gesto de misericórdia’

Desde agosto de 2015, o Ministério da Saúde vem observando um aumento de casos de microcefalia no Brasil. O último registro, de novembro de 2015, consta de 739 casos em que há suspeitas da presença da doença em recém-nascidos. No entanto, ao contrário do que vem sendo divulgado, os casos não podem ainda ser atribuídos ao zika vírus pela ausência de comprovação científica da relação de causa e efeito, segundo consta no próprio site do Ministério da Saúde. Em consequência disso, um debate antigo foi desencadeado e gera preocupação entre os membros da Igreja Católica, que defende veementemente a vida: há, no Supremo Tribunal Federal (STF), um projeto com pedido para descriminalizar o aborto em casos de microcefalia na Constituição Federal.
De acordo com a lei, o ato é considerado crime contra a vida, e a culpabilidade é extinta apenas em três casos: quando há risco de vida para a mãe, quando a criança deriva de um estupro e quando o feto é diagnosticado com anencefalia – ausência parcial ou total do cérebro. No caso de microcefalia, o debate toma outros rumos e pode-se levantar até mesmo a questão da eugenia, que consiste em uma seleção para melhorar características genéticas de gerações futuras.
Para o jurista Paulo Leão, presidente da União de Juristas Católicos do Rio de Janeiro, o aborto nesse caso seria o caminho para uma sociedade cada vez mais violenta e desrespeitadora dos Direitos Humanos.
“Esse pedido está na contramão de princípios e objetivos fundamentais da República, sem contar que é um ato bárbaro e contrário à índole do povo brasileiro, que é acolhedor do pequeno, do que necessita de cuidados”, ponderou.

A questão por trás da microcefalia
O advogado apontou que a falta de comprovação da relação da doença com o zika vírus deve ser levada em consideração antes de tornar esse um problema de responsabilidade do Estado. Também defendeu que antes de um debate sobre permitir-se ou não o aborto, é necessário que haja um estudo mais cuidadoso e minucioso para descobrir a causalidade por trás da doença.
“A anencefalia, por exemplo, cresceu muito em Cubatão décadas atrás devido às toxinas e produtos tóxicos que existiam no ar. Feito o controle do meio ambiente, esse número diminuiu bastante. Deveríamos buscar outras possíveis causas da microcefalia antes de atribuir ao zika vírus, e isso deve ser feito com mais responsabilidade”, insistiu ele.
Registros que sustentam o argumento do legista referem-se à existência do vírus em praticamente toda a América Latina – mais de 20 países – e de não terem casos de microcefalia confirmados em gestantes portadoras do vírus.
Na Colômbia, mais de 30 mil casos de zika foram registrados até a primeira semana de fevereiro, segundo o boletim epidemiológico do Instituto Nacional de Saúde. Dentre eles, 5.013 são em mulheres grávidas, sem existência de nenhuma confirmação de microcefalia. “Ou seja, existe aqui no Brasil uma mera suposição que está pendente de evidências científicas sólidas e consistentes”, disse.


Respeito à vida
O bispo auxiliar da Arquidiocese do Rio de Janeiro Dom Antonio Augusto Dias Duarte exortou os católicos a serem homens e mulheres que buscam ter caráter, serem comprometidos, articulados e bem unidos, a fim de criarem, juntos, uma força tarefa contra a cultura dominante de morte.
“Deve-se assistir, como espectador atônito e indignado, as várias iniciativas de ONGs abortistas e as estratégias de fundações internacionais, que já estão se movimentando a fim de legitimar juridicamente mais uma permissão do aborto para essas crianças com microcefalia, cujo diagnóstico só é feito no último trimestre da gravidez?”, questionou o bispo, que é animador da Pastoral Familiar e defende a vida desde a sua concepção.
Leão explicou que o aborto, além de crime contra a vida, é, em casos de microcefalia, uma situação aberrante. “Porque é um defeito sério, mas que em muitos casos há não só uma sobrevida bastante significativa, mas uma sobrevida com uma interação grande no meio social, dependendo, inclusive, de tratamento, de estimulações do cérebro. Ou seja, tudo aquilo que uma medicina humanitária e solidária, como deve ser a medicina e serviço de saúde em nosso país, pode oferecer”, pontuou.
Ele afirmou que há correntes, tanto dentro quanto fora do Brasil, que pretendem excluir o doente ou o parcialmente incapacitado. No caso da proposta de aborto por microcefalia, segundo ele, isso se materializa.
“Ou seja, ‘vamos matar’, dizem eles, ‘aquele que está em gestação e que posteriormente vai apresentar alguma deficiência que vai exigir maiores cuidados e atenção da sociedade’. É uma proposta que me parece bastante contrária a todos os princípios humanitários, a todos os princípios de solidariedade e de uma verdadeira dignidade da pessoa humana”, sublinhou.
Ao contrário desta atitude violenta, o jurista acredita que o que deve ser feito, tanto pela comunidade católica quanto pela sociedade em geral nos casos de mães grávidas de filhos com microcefalia, é se posicionar de forma a apoiar e acolher com misericórdia não só essas mães, mas também as crianças.
“O abortamento provocado nunca é uma solução; sempre gera mais violência. Por maiores que sejam os problemas decorrentes de uma gravidez indesejada ou mesmo de uma gravidez desejada que tenha uma criança com anomalias ou patologias, acolher o ser humano é sempre um gesto de bondade, de verdade e de misericórdia, sejam quais forem as situações negativas que estejam envolvidas”, defendeu.
Sobre as especulações de que a ONU estaria incentivando a descriminalização do aborto em países em que os casos de microcefalia vêm aumentando, ele argumentou que o apoio partiu de pessoas que possuem cargos na ONU, mas não da entidade em si.
“Alguns ocupantes temporários de cargos na ONU é que estão fazendo isso. Ela, por seus países, não aprova o aborto. Já se tentou por muitas vezes aprovar o abortamento em sedes e representações dos países, e isso muitas vezes foi rejeitado. Na realidade, são ocupantes temporários, que a meu ver estão exorbitando de sua competência, querendo falar pelos países que não são por eles representados”, finalizou.

Fonte: Jornal Testemunho de Fé, página 14

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