A organização do IX Encontro
Mundial das Famílias elaborou uma série de catequeses preparatórias ao grande
evento que se realizará em Dublin, de 21 a 26 de agosto, que iremos repropor
nestes dias.
O tema da Primeira Catequese
é "As famílias de hoje"
"Filho, por que agiste assim conosco?
Olha, teu pai e eu estávamos angustiados, á tua procura". (Lc 2,48) Maria,
mulher da escuta, abre os nossos ouvidos; faz com que saibamos ouvir a Palavra
do teu filho Jesus entre as mil palavras deste mundo; faz com que saibamos
ouvir a realidade em que vivemos, cada pessoa que encontrarmos, especialmente
aquela que é pobre, necessitada, em dificuldade. Maria, mulher da decisão,
ilumina a nossa mente e o nosso coração,para que saibamos obedecer a Palavra do
teu Filho Jesus, sem hesitação;Dá-nos a coragem da decisão, para não nos deixar
arrastar para que outros orientem nossa vida. Maria, mulher de ação, faz com
que as nossas mãos e pés se movem “com pressa” para os outros,para levar a
caridade e o amor do teu Filho Jesus,para levar, como você, a luz do Evangelho
ao mundo. Amém. Papa Francisco, Praça São Pedro 31 de maio de 2013)
Os Evangelhos nos narram poucas histórias
sobre os acontecimentos da Sagrada Família de Nazaré. Muito é deixado ao nosso
imaginário, considerando que foram cerca de trinta anos em que Jesus viveu em
Nazaré com os seus. Os poucos episódios transmitidos tornaram-se fundamentais
para compreender o mistério desta família.
A única história que nos apresenta Jesus aos
doze anos (naquela época, a idade não era apenas de um menino, mas de uma
pessoa que atingiu recentemente a idade da maturidade) que interage com seus
pais, está no Evangelho de Lucas e é assim dita a história da "descoberta
de Jesus no templo para discutir com os doutores da lei".
Nós certamente esperamos a narração de uma
página idílica da Sagrada Família, um pouco como a dos comerciais, em que todos
os membros da família são lindos, sempre sorridentes e brilhantes, em total e
absoluto entendimento mútuo, no entanto, com a nossa grande maravilha, o
Evangelho nos dá outra história. Para usar um termo muito na moda hoje, a
Família de Nazaré "entra em crise".
Maria e José são pessoas muito religiosas,
vão pontualmente todos os anos ao templo de Jerusalém para a festa da Páscoa,
como nos narra Lucas, eles trazem com eles Jesus para educá-Lo também nesses
ritmos religiosos, mas de repente, durante a viagem de retorno de Jerusalém,
depois de uma jornada de caminhada, eles não encontram Jesus na comitiva.
Essa família vai para rezar, mas
aparentemente sua oração e sua devoção religiosa não os preservam desse tipo de
vicissitudes familiares. 2 Imaginemos o que Maria e José podem experimentar
diante desse evento absolutamente imprevisto.
Um pai e, acima de tudo, uma mãe pode bem
entender a angústia absurda em que um pai experimenta quando ele não encontra o
filho e não saber onde procurá-lo. Portanto, esta Família Santa não nos causa
uma boa impressão, não nos dá um bom testemunho e não pode ser-nos um exemplo.
Por que o evangelista Lucas nos mantém
contando e deixando essa história dramática assim? Tudo isso destrói a maneira
como pensamos desta Família, e certamente nos projeta para outra coisa, em
outro lugar, em direção a um mistério maior que escapa à nossa compreensão.
Papa Francisco, então, em Amoris laetitia
abre os nossos olhos precisamente sobre este mistério: «A Bíblia é povoada por
famílias, gerações, histórias de amor e de crises familiares, desde a primeira
página, onde entra em cena a família de Adão e Eva, com sua carga de violência,
mas também com a força da vida que continua (cfr. Gên 4)» (Al 8).
A Palavra de Deus não nos apresenta de modo
algum uma imagem idealista e abstrata de família, como esperávamos, mas oferece
ao nosso olhar, diferentes histórias de famílias concretas, com a singularidade
e unicidade de seus problemas, dificuldades e desafios.
A Palavra nos projeta em realidade com «a
presença da dor, do mal, da violência que dilacera a vida da família e a sua
intima comunhão de vida e de amor» (Al 19). Da mesma forma «apresenta o ícone
da família de Nazaré, com sua vida quotidiana feita de trabalhos e até
pesadelos, como quando teve que sofrer a violência incompreensível de Herodes,
uma experiência que é tragicamente repetida ainda hoje em muitas famílias de
refugiados rejeitados e desamparados».
O ponto fundamental, então, não é a ausência
de crise nas famílias (não há uma única família, nem mesmo a Sagrada Família,
que esteja isenta), mas como reagir diante de qualquer crise. A história de
Lucas em sua previsão e concretude oferece a todas as famílias as coordenadas
fundamentais que tornam uma verdadeira escola de vida para todos.
À primeira vista, nós os pais de hoje, todos
cuidando e prestando atenção aos nossos filhos, colheremos imediatamente a
imprudência de José e Maria ao deixar o próprio Filho sozinho e desamparado
durante um dia inteiro em sua viagem de volta para casa.
Na realidade, naquela cultura, Jesus não é
mais considerado um menor, e é por isso que ele é tratado como um de sua idade.
Além disso, no entanto, podemos compreender outro elemento mais profundo,
dando-lhe um nome que é muito utilizado tanto na esfera social como na esfera
eclesial: “desafio educacional”.
A este respeito, o Papa Francisco oferece a
todos nós uma prospetiva indicação: «A obsessão, porém, não é educativa; e
também não é possível ter o controle de todas as situações onde um filho poderá
chegar a encontrar-se. […] Assim, a grande questão não é onde está fisicamente
o filho, com quem está neste momento, mas onde se encontra em sentido
existencial, onde está posicionado do ponto de vista das suas convicções, dos
seus objetivos, dos seus desejos, do seu projeto de vida. Por isso, eis as
perguntas que faço aos pais: «Procuramos compreender “onde” os filhos
verdadeiramente 3 estão no seu caminho? Sabemos onde está realmente a sua alma?
E, sobretudo, queremos sabê- lo?”» (Al 261).
Muitas vezes, estamos diante de tantos pais,
todos cuidando para que seu filho possa aprender muitas atividades, como educativas,
esportivas, artísticas, talvez empurrando-o para fazer coisas que eles mesmos
gostariam de ter feito enquanto jovens, mas que nunca param com eles apenas
para ouvir, por um momento, o mundo interior do seu coração. José e Maria
correram esse risco, com toda a angústia que isso implica, e somente após três
dias, três dias muito longos e intermináveis, encontram Jesus no templo.
A sua primeira reação é justamente o espanto,
porque, como lemos em Amoris laetitia, «É inevitável que cada filho nos surpreenda
com os projetos que brotam desta liberdade, que rompa os nossos esquemas; e é
bom que isto aconteça. A educação envolve a tarefa de promover liberdades
responsáveis, que, nas encruzilhadas, saibam optar com sensatez e inteligência;
pessoas que compreendam sem reservas que a sua vida e a vida da sua comunidade
estão nas suas mãos e que esta liberdade é um dom imenso.» (Al 262). O filho é
sempre uma surpresa, é sempre um mistério para os pais desde a sua concepção.
«Com os progressos feitos pela ciência, é
possível saber de antemão a cor que terá o cabelo da criança e as doenças que
poderá ter no futuro, porque todas as características somáticas daquela pessoa
estão inscritas no seu código genético já no estado embrionário. Mas,
conhecê-lo em plenitude, só consegue o Pai do Céu que o criou: o mais precioso,
o mais importante só Ele conhece, pois é Ele que sabe quem é aquela criança,
qual é a sua identidade mais profunda.» (Al 170).
Portanto, diante do mistério do filho, a
atitude mais verdadeira nunca pode ser a de julgamento, da desilusão, da
acusação, da condenação. Quantas vezes essas declarações são provenientes dos
lábios dos pais que realmente matam um filho: “Você não é o filho que eu
esperava!”. Diante disto «reflexo vivo do seu amor, sinal permanente da unidade
conjugal e síntese viva e indissociável do ser pai e mãe» (Al 165).
A atitude mais sagrada é a abertura para as
surpresas de Deus. Tudo isso não é realizado de uma maneira espiritualista ou,
nem menos, desumano. É claro que o inesperado aborrece, perturba e provoca
angustias, como no caso de José e Maria, que com grande angústia estão à
procura de Jesus. O Evangelho não desumaniza o coração do homem, mas respeita e
dá voz aos sentimentos, que não são nem bons nem maus, e, ao mesmo tempo, ensina-nos
como nos relacionar com nossos sentimentos: sempre devemos questionar-nos e
perguntar.
Eles fazem uma pergunta a Jesus, antes é
precisamente Maria, que em nome de ambos, pergunta a Jesus. As palavras que ela
usa de uma forma extraordinária em poucas linhas nos abrem ao verdadeiro
mistério da parentalidade: «Filho, por que agiste assim conosco? Olha, teu pai
e eu estávamos, angustiados, à tua procura» (Lc 2,48). O filho sempre continua
sendo um filho e, como tal, sempre deve ser chamado, reconhecido e amado.
Ao filho precisa sempre perguntar e
questionar, nunca para ser acusado e condenado, e um pai nunca deve ter medo de
se colocar no relacionamento com seu filho: “Porque você me fez isso?”. A
situação em jogo não é a regra moral ou o dever ou o que é certo ou errado. O
que mais importa é o relacionamento e, neste caso específico, a relação
fundamental entre pais e filho. Maria vai ainda mais além. Ela evidencia não
apenas a relação entre pais e filho, mas a relação entre pai e mãe e filho em
sua completude e integridade.
É ela, a mãe, a falar não só em seu nome, mas
primeiro em nome de seu pai e depois em seu nome. Por trás dessa sequência se
ofusca uma ordem extraordinária da paternidade e da maternidade em relação à
prole. Com razão, Papa Francisco afirma que «ambos «contribuem, cada um à sua
maneira, para o crescimento duma criança. Respeitar a dignidade duma criança
significa afirmar a sua necessidade e o seu direito natural a ter uma mãe e um
pai».
Não se trata apenas do amor do pai e da mãe
separadamente, mas também do amor entre eles, captado como fonte da própria
existência, como ninho acolhedor e como fundamento da família. Caso contrário,
o filho parece reduzir-se a uma posse caprichosa. Ambos, homem e mulher, pai e
mãe, são «cooperadores do amor de Deus criador e como que os seus intérprete”.
Mostram aos seus filhos o rosto materno e o rosto paterno do Senhor» (Al 172).
Porque é Maria e não José a falar? Porque ela
menciona seu marido primeiro? Porque de que desde que o mundo é mundo, não
podemos de modo algum negar a singularidade do relacionamento da mãe com o
filho concebido e carregado em seu ventre: é ela quem «colabora com Deus, para
que se verifique o milagre duma nova vida» (Al 168). Este carregar o filho
dentro de si, em suas próprias entranhas, não é apenas um elemento anatômico ou
fisiológico ou temporal da mãe, mas afirma uma dimensão permanente que
caracteriza a maternidade da mulher.
Maria fala a Jesus porque ela tem um
relacionamento de maior proximidade e intimidade com seu filho, mas ao mesmo
tempo (uma coisa que deveriam aprender a fazer sempre todas as mães de hoje)
ela atua como intermediária de José e afirma a antecedência da paternidade em
relação a maternidade. Aqui estamos longe de um discurso cultural, social ou
moral, ou ainda mais, machista, que afirma a prioridade do pai sobre a mãe. A
história do Evangelho projeta nosso olhar muito mais longe, mais profundo e
mais alto: o pai é como um sinal da Paternidade de Deus. Em vez disso, o que
testemunhamos hoje?
Para «uma “sociedade sem pais”. Na cultura
ocidental, a figura do pai estaria simbolicamente ausente, distorcida,
desvanecida.» (Al 176). O Evangelho então nos ilumina sobre uma verdade
fundamental: «os filhos têm necessidade de encontrar um pai que os espera
quando voltam dos seus fracassos. Farão de tudo para não o admitir, para não o
revelar, mas precisam dele» (Al 177). Se Maria e José podem interagir como mãe
e pai em relação a Jesus, é porque sua cumplicidade conjugal está viva.
Com que frequência esquecemos que o
fundamento da parentalidade não é a prole (não nos tornamos pais unicamente com
o nascimento natural do filho, e José é um testemunho concreto), mas com a conjugalidade
do casal. De fato, a crise fundamental vivida hoje mais do que nunca pelas
famílias preocupa-se precisamente com o analfabetismo 5 afetivo que parte da
relação fundamental entre os cônjuges em todas as outras áreas, gerando a
«“cultura do provisório”.
Refiro-me, por exemplo, à rapidez com que as
pessoas passam duma relação afetiva para outra. Creem que o amor, como acontece
nas redes sociais, se possa conectar ou desconectar ao gosto do consumidor e
inclusive bloquear rapidamente. Penso também no medo que desperta a perspectiva
dum compromisso permanente, na obsessão pelo tempo livre, nas relações que
medem custos e benefícios e mantêm-se apenas se forem um meio para remediar a
solidão, ter proteção ou receber algum serviço.
Transpõe-se para as relações afetivas o que
acontece com os objetos e o meio ambiente: tudo é descartável, cada um usa e
joga fora, gasta e rompe, aproveita e espreme enquanto serve; depois… adeus»
(Al 39). Tudo isso desencoraja claramente a geração mais jovem em formar uma família,
assustada pelo fracasso daqueles que fizeram essa escolha antes deles. Nesse
sentido, a Família de Nazaré torna-se um farol não ideal, mas real, porque
também, nas contradições e nos absurdos de seus acontecimentos de vida, mostra
a todas as gerações «a alegria do amor» (Al 1) que se vive dentro de casa.
Por esta razão, o Santo Padre afirma
resolutamente: «A aliança de amor e fidelidade, vivida pela Sagrada Família de
Nazaré, ilumina o princípio que dá forma a cada família e a torna capaz de
enfrentar melhor as vicissitudes da vida e da história. Sobre este fundamento,
cada família, mesmo na sua fragilidade, pode tornar-se uma luz na escuridão do
mundo. “Aqui se aprende (…) uma lição de vida familiar.
Que Nazaré nos ensine o que é a família, a
sua comunhão de amor, a sua austera e simples beleza, o seu carácter sagrado e
inviolável; aprendamos de Nazaré como é preciosa e insubstituível a educação
familiar e como é fundamental e incomparável a sua função no plano social”» (Al
66). Queremos aprender a ser uma família? Vamos jogar fora o modelo idealista
que temos em nossa cabeça e olhemos para a Sagrada Família, que mostra a todos
como os eventos críticos da vida são uma fonte inesgotável de graça e de
santificação para o mundo inteiro.
Em Família
Para refletir
1.
O que significa que uma crise familiar possa se tornar uma fonte inesgotável de
graça?
2.
Qual é a singularidade da maternidade ou da paternidade?
Prática
1.
Certamente na sua vida familiar e conjugal há dificuldades, problemas, as
chamadas “crises”. Como você lidou com elas? Como, por outro lado, você poderia
enfrentá-las à luz da catequese que meditou?
2.
Como você vive o seu ser pai ou sua mãe em relação ao cônjuge que Deus colocou
ao seu lado? Como fazer o seu filho o u seus filhos experimentarem a
inter-relação entre a paternidade e a maternidade?
Na Igreja
Para refletir
1.
Porque diante da cultura do provisório não atrai a beleza da cultura do para
sempre do amor? 2. Em que sentido a Paternidade de Deus é o fundamento de toda
paternidade terrena? Prática 1. Como uma comunidade eclesial deve interagir com
as múltiplas e frequentes crises familiares? Qual estilo, quais métodos, quais
instrumentos, quais espaços e o que mais é chamada a oferecer?
2.
Ser pai e ser mãe é a missão mais difícil e mais complexa. Como a Igreja
é chamada a levar a sua contribuição nesta missão singular e única?
Fonte:
https://www.vaticannews.va/pt/vaticano/news/2018-08/viagem-apostolica-irlanda.html#play
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