segunda-feira, 7 de outubro de 2013

Família e vida: sobrevivência

Parte I

A preservação das espécies, tanto de animais como dos vegetais, ocupa um espaço político, econômico e cultural, cada dia mais amplo revelando assim a responsabilidade primária do ser humano, que é cuidar do planeta Terra, obra de Deus Criador. Por outro lado, nos tempos atuais existe uma distorção daquela chamada original feita pelo mesmo Criador do céu e da terra ao homem e à mulher. Ambos com igual dignidade e missão são chamados para trabalharem juntos na principal preservação dentro da Criação: preservar a comunhão de vida e de amor entre as pessoas, pois esta é a principal garantia de que toda a humanidade sobreviverá às ameaças de degradação moral periodicamente presentes.
Para que a humanidade corresponda a esse projeto original de Deus é necessário que exista a sobrevivência de uma particular comunhão de vida e de amor, que é a família. Constituída pela natural união entre o homem e a mulher, a família visa o bem comum dos esposos e dos filhos e, simultaneamente, o bem comum de todas pessoas que vivem em sociedade. Esta sobrevivência primordial tornou-se nos últimos tempos uma das principais preocupações e ocupações da Igreja Católica, de outras igrejas cristãs e mesmo de algumas religiões presentes no mundo.
Dentro da organização pastoral da Igreja Católica, coube ao Departamento Vida, Família e Juventude do Conselho Episcopal Latinoamericano (CELAM) e ao Pontifício Conselho para a Família em Roma, reunirem no mês de setembro, em San Martin, perto de Buenos Aires e na Cidade Eterna, respectivamente, um grupo de pessoas entre Bispos, sacerdotes, leigos e, sobretudo, pessoas casadas, para todos juntos descobrirem novos caminhos para assegurarem a sobrevivência da família.
Entre os dias 10 e 13 de setembro, na Argentina, os responsáveis pela Pastoral Familiar do Cone Sul estiveram reunidos para conhecerem mais profundamente a realidade cultural e social, que com suas sombras e luzes, fortalecem ou debilitam, promovem ou desafiam, a família nos tempos atuais.
Nessa reunião coordenada pelo CELAM preparou-se também o I Congresso Latinoamericano e Caribenho da Pastoral Familiar, que realizar-se-á no Panamá entre os dias 4 e 9 de agosto de 2014.

Durante aqueles dias estudou-se com profundidade como tem sido a influência e o impacto da mudança de época verificável no mundo atual, caracterizado pela cultura de um forte individualismo e que certamente ameaça a vivência do amor conjugal e do amor à vida concebida, acolhida e amadurecida no seio familiar.
Preservar a identidade e a missão do homem e da mulher unidos através do matrimônio natural, elevado à dignidade de sacramento por Jesus Cristo, é uma tarefa árdua e gigantesca, mas quando assumida com fé e com esperança pelos agentes da Pastoral Familiar junto com seus pastores, servirá para construir a civilização do Amor e a cultura da Vida.
Considerando essa responsabilidade urgente e grandiosa examinou-se como a cultura do individualismo extremo, que cada vez mais destaca a centralidade do egoísmo como o novo caminho ético a ser percorrido pela humanidade, vai apresentando como realidades más tudo o que de bom, de verdadeiro, de justo e de belo existe na família.
A fidelidade conjugal, a paternidade/maternidade, a educação dos filhos nos valores humanos e religiosos, a participação ativa da família no mundo da política, do trabalho, da economia, etc... tudo isso dentro dessa cultura egocêntrica é anacrônico e devem ser combatidos, pois são ameaças à “liberdade do homem”. Aqui se pode perceber o erro gravíssimo dessa cultura: considerar valores sublimes da família como “prisões” para a liberdade humana.
Há ainda um outro equívoco destruidor da vida e da família humana. O “ego – centrismo”, utilizando-se da mentira como linguagem comunicadora, vai criando no seio da sociedade o relativismo e o totalitarismo ideológico, que conduz à seguinte afirmação: a humanidade jamais pode ser considerada uma família querida por Deus, mas uma simples justaposição de homens e de mulheres, que se juntam somente para alcançarem, cada um por si mesmos, os seus interesses particulares.
A sociedade do futuro deve ser uma convivência humana regida e protegida por leis que garantam esses interesses egoístas. O outro só valerá na medida que favorecer os interesses egoístas de quem convive com ele. O “ego – centrista” irá amar e buscar a união com alguém, que para ele “basta ser” simplesmente algo, ser alguma coisa útil, para que o ego tenha poder, tenha bens materiais, tenha prazeres, em resumo, tenha uma qualidade de vida identificada como “ isolada e cômoda qualidade de vida”.
Além disso, dentro dessa cultura egocêntrica, tudo que convém e dá prazer tem que passar pelo crivo da lei, e quem quiser impedir essa satisfação do “ego – centrista” deverá ser considerado um intolerante e uma fonte de discriminação.
A reunião de Buenos Aires caracterizou-se por uma análise objetiva dessas mudanças culturais, ainda em trânsito em todo mundo, e naqueles dias de trabalho, com fé e esperança, falou-se do despertar de uma nova época na Pastoral Familiar realizada nos países latinoamericanos e caribenhos.
Estamos numa época de renascimento e de crescimento pastoral, especialmente para nossas famílias. Notam-se os sinais de muitos desejos e de muitos pensamentos nos católicos, no sentido de corresponderem à chamada original de Deus para a construção da comunhão de amor e de vida no seio da sociedade do século XXI.
A família, o casamento, o amor entre o homem e a mulher, os filhos, continuam sendo para os brasileiros, argentinos, chilenos, paraguaios e uruguaios (citando apenas os povos do Cone Sul, mas não é diferente nos demais países das Américas), ideais de vida, objetivos realizadores dessa vocação original da humanidade.
A luz de esperança cristã permanece, portanto, acesa desde a Floresta Amazônica até a Cordilheira dos Andes, desde as terras secas do Nordeste até os férteis campos argentinos. São muitas as famílias católicas que vivendo dentro dessa cultura egocêntrica têm a ciência e a consciência da responsabilidade assumidas diante de Deus, da Igreja e do mundo. Sabem que a criação da comunhão de vida e de amor, de forma generosa e donativa, para sempre e como sempre se viveu segundo o projeto do Criador é uma fonte inesgotável de recursos humanos, e favorecerá a sociedade desde que família seja reconhecida na sua identidade e na sua missão social e cultural.
O que é mentiroso e deformante, o que é mau e injusto, se for aplicado à família, afetará não só a sua vivência, mas a sobrevivência de toda a humanidade.
As “caricaturas” de família, o divórcio, a legalização de uniões ideologizadas, os atentados contra a vida humana em todas as idades, a coisificação do amor, e tantas outras investidas egoístas contra o projeto divino de família, tem como denominador comum uma só palavra: fracasso existencial.
A Pastoral Familiar no Brasil e demais países latinoamericanos e caribenhos não deseja, de forma alguma, esse fracasso e essas mentiras. Quer que o sucesso e a realização do homem e da mulher tenham como denominador comum a família, mas a família construída sobre a rocha firme da vivência do amor incondicional, da entrega generosa às pessoas, do serviço desinteressado ao outro, da abertura e da acolhida alegre de uma nova vida, da educação e da prática das virtudes pessoais e sociais cultivadas no solo fértil da solidariedade e da libertação de todo egocentrismo.
O lema do I Congresso Latinoamericano e caribenho da Pastoral Familiar que foi preparado nesse encontro em solo argentino é uma frase de Josué dita antes de entrar na terra prometida: “Minha família e eu serviremos ao senhor”.
Animar os pais, os filhos, os avós, os netos e os sobrinhos é a tarefa primordial dos agentes de Pastoral Familiar para que todos juntos sirvam aos planos divinos sobre a família e garantam a preservação da humanidade. 

Dom Antonio Augusto Dias Duarte
Bispo auxiliar do Rio de Janeiro


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